Rios
Amazônicos

Iniciamos o projeto Territórios Sensíveis| Rios Amazônicos pela região conhecida como Baixo-Tapajós, no Estado do Pará. Uma região que desde o início da colonização passa por um processo de extrativismo acentuado, do ciclo da borracha à mineração da bauxita; da proibição das línguas nativas e catequização à evangelização; da proibição de uso de ervas da floresta à intervenções nos credos, ritos e conhecimento ligado à floresta.
O que resta? Perguntamos. Como esses povos originários vivem seus territórios nos dias atuais? Quais os conhecimentos e práticas ainda realizadas no cotidiano desses povos? Como podemos aprender com os povos da floresta e compartilhar este conhecimento com um público mais amplo? Como fortalecer e ressaltar a importância desses conhecimentos e práticas ligados à floresta amazônica para o seu próprio povo, quem tem efetivamente o conhecimento, mas que por muitos anos foram proibidos de executá-los e hoje são ameaçados e mortos por um sistema que impõe um modo de vida?
Seguindo com a metodologia desenvolvida em “Territórios Sensíveis”, propomos o conviver, a partir de processos imersivos e de ações colaborativas de criação, como um método de aprendizagem, troca e sensibilização. Seguimos em Rios Amazônicos em busca de uma transformação individual e coletiva, e em busca da potência política necessária para construirmos mundos mais plurais e que respeitem a diversidade, ou, como diria Edouard Glissant, "uma Totalidade-mundo".

Aldeia Andirá

No primeiro mapeamento desta pesquisa, percorremos de barco, partindo do porto de Santarém, o Rio Tapajós, chegando ao Rio Arapiuns, e a aldeia Andirá, nossa primeira parada. Geograficamente localizada no lado Oeste do Estado do Pará, a região abriga 13 diferentes etnias indígenas, divididas em 73 comunidades que vivem às margens do rio Tapajós e seus afluentes, como o rio Arapiuns. É nele que se localiza a aldeia Andirá-Arapiuns, onde Tereza Arapium, Dona Conceição e sua família coabitam.

Porto Santarém

A região do Baixo-Tapajós, desde o início da colonização brasileira até a colonialidade atual, passa por um excessivo processo de exploração dos recursos naturais (minerais e vegetais) e também de expropriação da cultura e modos de vida indígenas. Reconhecida como uma das mais importantes áreas de exploração no ciclo da borracha – ou seja, no ciclo de extração do látex, entre 1879 e 1912, retomado entre 1942 e 1945 – esta região colonizada por portugueses contou com a forte presença dos Jesuítas, que proibiram o uso das línguas indígenas, credos e ritos, impondo a cultura branca européia católica e o português como única língua a ser falada e escrita. Essa marca irreparável do colonialismo que age em favor da competição, unicidade e da monocultura do solo e do pensamento, rompe com a diversidade linguística, ritualística e os modos de vida desses povos. Essas comunidades são então lançadas a um distanciamento de suas culturas e imaginários, assim como da relação com a floresta e o conhecimento advindo dessa interação, que é a maneira de "segurar o céu", como nos diz Davi Kopenawa. Com o fim do ciclo da borracha, os povos indígenas foram lançados novamente a invisibilidade, em um processo deficitário de políticas públicas atentas às suas necessidades básicas, intensificando a pobreza, as doenças e as mortes. Prevaleceu, dessa forma, o inevitável e majoritário abandono das aldeias.

Diante de um contexto de êxodo indígena a transformação dos modos de vida tornou-se incontornável. Desde esse tempo, tais expropriações e explorações se consumam como feridas da violência colonial que seguem abertas, sendo, portanto, processos intrínsecos ao que hoje chamamos de Antropoceno. Vivemos no Brasil uma realidade de extermínio dos povos indígenas que teve início na colonização europeia, mas que se perpetua até os dias atuais de diferentes formas, tanto pela ausência de proteção governamental, quanto pelas grandes corporações multinacionais através da exploração da madeira e do minério, pela poluição das águas, envenenamento dos solos e destruição das florestas. Em 2021, tivemos a maior destruição da Floresta Amazônica e o maior índice de contaminação dos rios por mercúrio, em decorrência do extrativismo mineral. Também a maior cheia em 90 anos – os chamados períodos de seca não existiram e as áreas ribeirinhas foram completamente devastadas. Mesmo assim, caminhões, barcos, tratores e maquinários utilizados pelas indústrias extrativistas continuam ecoando seus sons e ações pela floresta. Enquanto o mundo parava com a epidemia ocasionada pelo COVID-19, as indústrias aceleraram os processos extrativistas, como nos apontam os dados do INPE e INPA.
Ao percorrer os rios Amazônicos de barco encontramos inúmeras balsas com carregamento de madeira, soja e minério. No porto de Santarém-Pará, a presença "monumental" da empresa norte-americana de produção de "alimentos" Cargil deflagra os rumos tortuosos de um rio perturbado pela penetração de conflitos sociopolíticos em suas margens. A região do Baixo-Tapajós, riquíssima em minério de bauxita, sofre hoje uma ameaça constante de invasões legalizadas por empresas multinacionais, mas também pelo garimpo ilegal. Além do minério, a extração vegetal vem dia-a-dia diminuindo o tamanho da floresta e gerando áreas de aridez, o que impacta sobretudo na absorção dos gases atmosféricos, na produção de chuvas e do próprio oxigênio, como explicitado pelo cientista Carlos Nobre, uma das grandes referências de estudos sobre o impacto da destruição da Amazônia para o aquecimento global.

Andirás

Como primeiro desdobramento desta pesquisa performativa temos o projeto Andirás, uma obra fílmica documental que entrelaça os gêneros documental e ficcional e é composta por uma equipe de seis mulheres, entre elas a indígena Tereza Arapium. Andirás tem como foco narrativo o olhar feminino sobre a história passada e presente das colonizações, explorações e expropriações desta região, fatores intimamente relacionados com a crise atual do Antropoceno. Para pensar quais conhecimentos, tradições e práticas se mantém apesar das expropriações coloniais e quais deles se rompem, seguiremos o lastro dessa teia a partir das vivências de duas jovens arapiuns: Tamires, estudante de biologia da Universidade Federal do Oeste do Pará, que monta, numa interlocução entre conhecimentos modernos e ancestrais, um herbário de plantas medicinais em sua comunidade natal, a fim de conservar o patrimônio de seu povo e Thainá, mais nova, que estuda na escola próxima a Aldeia Andirá e se prepara para cursar medicina veterinária com o intuito de cuidar dos animais da floresta, que seguem ameaçados.

Através da perspectiva das duas jovens Arapiuns- Andirás, adentraremos um mundo-floresta experienciado diariamente em caminhadas na mata, relações comunais, e estratégias de ação para driblar o sufocamento de suas culturas. Andirá, nome de origem Tupi-Guarani, remete a um grande morcego que habita as florestas brasileiras. Como proposta narrativa, o filme busca encenar o processo de transmutação dessas jovens em Andirás, numa mitologia fabulada a partir de suas próprias vivências na aldeia. O morcego, animal da noite, orienta nossa narrativa a contrapor, visualmente e sonoramente, os ambientes diurnos e noturnos, criando uma atmosfera por vezes fantástica, onde humanos podem se associar a outros seres a fim de estabelecerem uma comunicação em defesa da floresta.
Pelos olhares e mundos possíveis propostos por essas relações, nosso percurso narrativo percorrerá a história passada e presente do Baixo-Tapajós, tendo em vista os impactos do Antropoceno – seja localmente, por meio das ações humanas de extração e destituição, ou globalmente, a partir das alterações ambientais em curso no território, decorrentes das mudanças climáticas. Abordar os conflitos dessa região sob o prisma de duas jovens Arapiuns reflete nossa inquietação acerca do futuro, de modo a apresentar que apesar de incerto, existem algumas alternativas luminosas apontando para caminhos de reinvenção em meio às ruínas das crises atuais.
A proposta estética do documentário parte dos corpos e territórios sensíveis que se regem a partir da alteridade e do cultivo, e preocupa-se com a atividade e a construção de narrativas para além da representatividade e do registro. Partimos de uma ação performativa que, na escuta e na convivência, quebram com a lógica capitalista e patriarcal de tempo cronometrado e exploração sem limites da terra. Nossa metodologia, desenvolvida ao longo de quase 10 anos de pesquisa, tem como princípio ações colaborativas de pesquisa e criação, na qual nos dedicamos a viver uma realidade e fabular a partir dela. Trabalhando aspectos estéticos através da potência feminina de olhar, escutar e sentir, buscamos ressaltar uma relação íntima e multissensorial, compartilhados através de uma visão de cinema pautada em gestos, ações e não somente discursivo, capaz de reconhecer inteligências outras e somar as camadas de subjetividade ao invés de extraí-las.
O projeto fílmico Andirás é um desdobramento das ações que estamos realizando junto aos povos que vivem às margens do Rio Tapajós e Arapiuns, e se baliza principalmente na necessidade de ressoar o local para o global, mostrando a alternativa indígena, feminina e miscigenada que protege e nutre um solo cada vez mais escavado e atingido pelos interesses de um sistema imperialista.
Este é um projeto que tem o fazer coletivo como forma ética, estética e política de fazer mundo.

Equipe: Ana Clara Mattoso, Ana Emerich, Patricia Gouvêa, Sofia Mussolin, Thereza Arapiuns, Walmeri Ribeiro.

Realização
Financiamento
Apoio

BAÍA DE GUANABARA
Rio de Janeiro | Brasil, 2019-2023

Em tempo de emergências, sonhar, e fazer sonhar, é, certamente, a ação mais política que podemos ter.

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GOJ TỸ URUSSANGA
Santa Catarina | Brasil

Mais de 500 anos marcam a chegada da colonização na América Latina. Desde então, os territórios latinoamericanos, reconhecidos por sua riqueza mineral, vêm sendo explorados e sufocados por ações extrativistas.

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POÉTICAS DO OUTRAR-SE
Rio de Janeiro | Brasil

Em meio a um cenário global de crises, catástrofes e emergência climática, a arte e sua capacidade de afecção, potencializando o encontro de corpos humanos e não humanos, torna-se aqui o eixo central desta pesquisa-criação.

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