Inspirada pelos apontamentos de Isabelle Stengers em seu livro “No tempo das Catástrofes”, onde a filósofa reflete acerca do nosso sentimento de impotência frente às catástrofes provocadas pelas mudanças climáticas e seus consequentes impactos sociais, Intervir requer certa brevidade, configura-se enquanto uma pesquisa performativa realizada na Praça Mauá, zona portuária do Rio de Janeiro, em dois momentos distintos: 2016 e 2018 Em 2016, a cidade do Rio de Janeiro se preparava para receber os Jogos Olímpicos e passava por uma transformação de sua estrutura urbana. Ao mesmo tempo em que ia se transformando na “cidade inteligente”, preparada para receber milhões de turistas do mundo inteiro, assistíamos, a olhos nus à intensificação das já tão acentuadas diferenças sociais existentes no Rio de Janeiro. Acompanhávamos o crescimento dos índices de pobreza, de favelização, e sobretudo, de violência; a região portuária, área de comércio de escravos durante os séculos XVIII e XIX, abandonada durante todo o século XX, tornava-se, diante do novo projeto futurístico, o símbolo das Olimpíadas, o Porto Maravilha. Naquele momento, a grande questão ambiental era a chamada despoluição da Baía de Guanabara, que receberia atletas internacionais em suas águas. A saúde deles era, evidentemente, o foco. Entretanto, o que presenciávamos (e presenciamos) diariamente foi (e continua sendo), o aumento das taxas de poluição e a completa negligência com o bem-estar da população local e a integridade do meio ambiente em si.
O que vocês fariam em nosso lugar?
Essa é uma pergunta-título, uma provocação para pensarmos, como sociedade e coletivo, sobre os modos de vida nas cidades onde vivemos, sobre os processos de transformação e apropriação, e sobretudo, sobre o sentimento de impotência que nos assola, nos paralisa, mas que, ao mesmo tempo, é capaz de nos mover, nos colocar em direção à construção de outros pensamentos, proposições, criações e ações. No primeiro dia de pesquisa performativa, estas duas imagens, tão contrastantes quanto toda a realidade que nos aguardava neste território, saltou aos olhos e aos sentidos. De um lado, o corpo espontâneo; pai e filho, moradores do Morro da Providência, nadam em meio ao lixo flutuante, nas águas poluídas da Baía de Guanabara. Do outro, o corpo institucionalizado, funcionários do Museu com seus equipamentos de proteção química aspiram os resquícios da poluição, mantendo a limpeza e a limpidez dos espelhos que resfriam a estrutura do Museu. – diante do intenso tratamento dado às águas da Baía que são capturadas, despoluídas e reutilizadas para alimentar os espelhos d’água do Museu do Amanhã Durante nossas performances, muitos foram os dias em que nos deparamos com essas duas ações simultâneas. Nos aproximamos, conversamos, conhecemos as pessoas, suas histórias de vida e as relações afetivas e institucionais com esse território sensível. O sentimento de impotência frente a esta realidade e às questões locais e globais, retratadas nestas duas imagens contrastantes, levou inicialmente à pergunta-ação e a esse díptico fotográfico “O que vocês fariam em nosso lugar?”.
Praça Mauá - Porto Maravilha - Fotografia | Diptíco | 2016
Intervir Requer Certa Brevidade
Dois anos depois. Ao receber um convite para realizar uma performance e participar do OpenLab Hiperorgânicos, que seria realizado no Museu do Amanhã, imediatamente as duas imagens perturbadoras de O que vocês fariam em nosso lugar?,que me acompanharam durante todo esse tempo, me lançaram, novamente, a inquietação e busca de como agir neste território. Retorno, inicialmente sozinha, ao meu site de pesquisa-criação para performar. Ali, reencontro os garotos que via diariamente em fevereiro de 2016, nadando nas águas da Baía. Convido-os para performarem comigo. Crio entre o meu corpo, preservado por equipamentos de proteção química (macacão, botas e luvas), e o corpo desnudo, sem qualquer defesa artificial, dos garotos-banhistas, um incômodo no público que assistia à ação. Juntos, coletamos as poluídas águas da Baía de Guanabara em 200 tubos de ensaio.
Performance realizada no OpenLab | Hiperôrganicos, entre os dias 24 e 26 de maio de 2018 Curadoria: Guto Nóbrega e Malu Fragoso, Museu do Amanhã, Rio de Janeiro.
Num gesto político transporto, a partir da minha autoridade artística, a água coletada com os dados atualizados e comparativos da poluição instaurada na Baía de Guanabara para dentro do Museu do Amanhã – um dos símbolos da recém “cidade do futuro”. Lado a lado, os corpos dos meninos entram nas galerias, ocupando, enquanto imagens vivas, as paredes brancas sobre o espelho d’água bem preservado da instituição. “Intervir requer certa brevidade”, pois não se trata de convencer, e sim, de transmitir para “aqueles a quem isso possa afetar o que nos faz pensar, sentir, imaginar” ( Isabelle Stengers, 2015).
Videoinstalação exposta no Museu do Amanhã como parte das ações realizadas no OpenLab | Hiperôrganicos Curadoria: Guto Nóbrega e Malu Fragoso, Museu do Amanhã Rio de Janeiro, 2018.
Em meio a um cenário global de crises, catástrofes e emergência climática, a arte e sua capacidade de afecção, potencializando o encontro de corpos humanos e não humanos, torna-se aqui o eixo central desta pesquisa-criação.
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